Encontrando Minha Voz - Por Thais Bolton
Olá para quem chegou até aqui.
Meu nome é Thais Bolton. Sou ilustradora e aspirante a escritora. Sou brasileira e moro na Flórida com meu marido, Skylar.
Nunca pensei em ter um blog. Minha presença nas redes sociais sempre foi bastante restrita ao meu trabalho de ilustração.
Comecei este blog por alguns motivos. O principal deles está no título do meu primeiro post: Finding My Voice (Encontrando minha voz).
É um título interessante — pelo menos para mim.
Entre os seis e os onze anos de idade, eu não tive amigos na escola. Não era por falta de vontade, mas porque eu não sabia falar. Quando alguma criança mais bondosa — ou talvez mais obediente à diretora — era encorajada a tentar fazer amizade comigo, vinha até mim na hora do recreio. A criança saía frustrada por não conseguir ouvir minha voz tímida e baixa, e eu ainda mais frustrada por não conseguir me comunicar.
Foram anos de sofrimento. Ir para a escola era sinônimo de tortura. Todos os dias, ao passar pelo portão de entrada daquele lugar temido, eu sentia que estava entrando no labirinto do Minotauro — completamente perdida, com uma fera sempre prestes a me atacar. Perdi a conta de quantos exames médicos fiz por causa de fortes dores de cabeça diárias. Nenhum diagnóstico jamais foi encontrado.
Em casa, eu era uma criança “normal”. Falava o que se espera de uma criança da minha idade.
Desenhar sempre foi meu maior hobby. Talvez o isolamento em que eu vivia na escola fosse um solo fértil para a criatividade.
Meus cadernos viviam cheios de desenhos. Ainda assim, eu dizia que queria ser médica pediatra. Repetia com convicção: “Quando eu crescer, vou ser médica”. Minha tia sempre dizia que eu seria ilustradora. Eu achava aquilo bobagem. Desenhar era só um hobby.
Minha vida escolar foi tão desastrosa quanto minha habilidade de fazer amigos. Em algum momento, tive que desistir da ideia de ser médica — o que, olhando hoje, parece uma decisão bastante sensata para alguém que quase desmaia toda vez que vê sangue.
Na adolescência, eu achava que a frase “Sou a pior no que faço melhor”, da música Smells Like Teen Spirit, do Nirvana, me definia perfeitamente. Dá para perceber que minha autoestima não era das mais altas.
Minha mãe tinha sérias preocupações sobre o que eu seria na vida. Eu não estava tão preocupada assim. Continuava desenhando e tocando guitarra.
Por sorte do destino, acabei cursando faculdade de design gráfico. Trabalhei em boas agências. Amava o glamour de morar em São Paulo, a maior cidade do Brasil, e ter um trabalho “cool”. Adorava fazer hora extra. Me sentia o máximo quando encontrava, no mercado, uma embalagem que eu tinha criado. Aquilo funcionava como uma validação pessoal.
Gostei tanto daquela vida de design que acabei esquecendo de desenhar. Desenhar deixou de ser meu hobby. Aliás, acho que eu já não tinha mais hobbies. Estava ocupada demais para isso.
Agora não posso deixar de me lembrar do nosso querido aviador — aquele que um dia foi cativado por um um Pequeno Príncipe. Aquele que, quando menino, desenhou uma jibóia que havia engolido um elefante e foi desencorajado pelos adultos, aconselhado a deixar de lado os desenhos e se dedicar à geografia, à história ou à matemática. Foi assim o fim de uma promissora carreira de pintor.
O adulto que me desencorajou fui eu mesma.
E assim, meus desenhos ficaram adormecidos no tempo, guardados numa antiga pasta da infância e da adolescência. O tempo passou, e eu conheci um grande ilustrador: Tiago Hoisel. Por sorte minha, ele se tornou não só uma grande inspiração, mas também um grande amigo, um irmão e meu padrinho de casamento.
Conheci o Tiago por intermédio da minha irmã de coração, Rachel, que se casou com ele. Quando vi o trabalho do Tiago, algo mudou. Fiquei profundamente inspirada e, de repente, me lembrei daquele antigo hobby que tanto gostava.
Comecei a desenhar novamente, sem a menor pretensão de um dia ser ilustradora profissional. Afinal, para isso, eu teria que ser pelo menos tão boa quanto a minha inspiração. E como eu poderia ser tão boa quanto o Tiago?
Em certo sentido, eu estava fazendo jus às minhas próprias palavras de criança: aquilo era só um hobby. Enquanto isso, eu continuava fazendo embalagens.
Mas algo dentro de mim já tinha mudado. Já não achava graça em encontrar minhas embalagens no mercado. Achava menos graça ainda em ir para a agência e fazer horas extras. Minha vida parecia resolvida, mas, de repente, havia um vazio dentro de mim.
Eu tinha encontrado um problema?
Ou uma solução?
Mais uma vez, por sorte do destino, fui aos Estados Unidos e consegui uma entrevista em uma das melhores agências de design de San Francisco. O generoso diretor de arte da agência, Paul Bennett, me recebeu para avaliar meu portfólio.
É bem provável que ele não se lembre de mim. Mas a existência dele é essencial para a minha história.
Era 2018. Meu portfólio estava repleto de embalagens e projetos gráficos. No final, timidamente, incluí meus desenhos recentes — aqueles que eu havia feito inspirada pelo trabalho do Tiago. No fundo, acho que eu ainda esperava que minha tia estivesse certa a vida toda. Que alguém visse meus desenhos. Que alguém gostasse. Que talvez eu pudesse ser ilustradora.
Paul analisou meu portfólio com cuidado e atenção. Então me perguntou se eu gostaria de ouvir um conselho.
Quanta gentileza. Como eu poderia não querer ouvir?
Seu conselho foi como aqueles convites da infância — das crianças que queriam ser minhas amigas na escola. Era tudo o que eu queria, mas não podia. Era um convite para eu falar, me expressar. Para encontrar a minha voz.
Ele elogiou meu trabalho como designer, mas disse que meu grande diferencial estava naquela última seção do portfólio. Sim. Meus desenhos.
“Você precisa trabalhar com isso.”
Foram essas as palavras.
E, naquele instante, a frase “Sou a pior no que faço melhor” voltou a ecoar dentro de mim.
Existe um ditado popular que diz que a comparação é o ladrão da alegria. É provável que esse ladrão já me assombrasse desde a época da escola. Mas foi na tentativa de trabalhar com desenho que ele se fez mais presente
Toda a alegria que eu tinha em desenhar quando criança, ou de desenhar de forma despretensiosa, começou a se extinguir no momento em que decidi me tornar uma ilustradora profissional.
Esse caminho árduo começou em 2015, quando voltei dos Estados Unidos e contei ao Tiago que Paul havia dito que eu deveria trabalhar com ilustração. Tiago respondeu que talvez fosse possível, mas que eu teria que estudar muito — e enfatizou a palavra muito.
E assim eu fiz. Talvez não da maneira mais correta. Ignorei alguns conselhos, pulei etapas importantes no processo de aprendizado do desenho — etapas nas quais não preciso entrar em detalhes aqui, mas que certamente não recomendo a ninguém que esteja começando a aprender a desenhar.
Nesse período, algo interessante acontecia dentro de mim. Dois extremos atuavam ao mesmo tempo, impedindo qualquer equilíbrio. De um lado, aquela velha frase de Kurt Cobain se fazia presente, e eu me achava a pior desenhista que poderia existir. Do outro, eu acreditava que já estava pronta, que não havia muito mais a aprender sobre desenho. Faltava apenas que alguém do Estúdio Walt Disney me descobrisse — e, com certeza, eu seria contratada.
Foi com esse pensamento que, em 2018, me mudei para os Estados Unidos para cursar o mestrado em Desenvolvimento Visual.
Eu amava o glamour de morar em San Francisco, na Califórnia, e estudar arte. Cruzava a cidade na minha scooter acreditando estar vivendo o melhor momento da minha vida. Para mim, o sucesso me aguardava na esquina. Mas, por dentro — bem no fundo, naquele lugar escondido — o ladrão da alegria seguia me consumindo.
Minha mãe pode contar quantas ligações recebeu da filha chorando, muitas vezes do banheiro da universidade, querendo desistir por “não saber desenhar”. No primeiro dia de aula de uma disciplina de pintura a óleo, o professor pediu que eu me retirasse da sala. Disse que, apenas ao me ver tentar desenhar um círculo, já sabia que eu não sabia desenhar — quanto mais pintar a óleo. A única nota dez que tirei durante o mestrado foi no aprendizado de quanto eu ainda tinha a aprender.
Sobrevivi ao mestrado. Não consegui o estágio que tanto queria e perdi as contas de quantos “nãos” recebi de estúdios de animação.
Mas também recebi alguns “sins”. Desde então, venho trabalhando com desenho. Mais adiante, cheguei até a realizar aquele sonho de trabalhar para a Disney. Mas, naquele momento, eu já começava a perceber algo importante: eu não precisava de validação alguma para existir. E aquele trabalho que tanto sonhei não passou de um trabalho. Com todo o respeito e admiração que tenho pela vida e pelo legado do Sr. Walt Disney, desenhar a Elsa ou o Mickey não preenchia o vazio que eu sentia dentro de mim.
Meu irmão disse que eu deveria procurar um psicólogo quando contei que iria me demitir. Espero que ele saiba que aquela foi uma decisão de vida ou morte interna — parte essencial da minha busca para encontrar a minha voz.
Em 2024, depois de muito suor, recebi finalmente um “sim” que eu procurava havia muito tempo. Meus queridos agentes literários, Ethan e Heather Long, acreditaram no meu trabalho. Desde então, Ethan vem me orientando e lapidando para que eu possa me tornar a melhor versão de mim mesma. Recentemente, em uma ligação, ele me disse algo que é a razão de eu estar escrevendo aqui.
Ele disse que eu tenho bons elementos para chegar onde quero com o meu trabalho — mas que ainda faltava algo essencial: a minha voz.
Foram palavras dele para mim:
“Experimente. Explore. Quebre seus padrões. Brinque até descobrir algo que pareça mais arriscado, mais ousado — talvez até um pouco perigoso.”
Eu leio essas palavras todos os dias.
Levo muito a sério os deveres de casa que ele me passa. Para quebrar padrões, é preciso primeiro reconhecê-los. Padrões não apenas no desenho em si, mas também aqueles que vivem internamente — naquele lugar escondido que ainda busca, de forma sorrateira, antigas validações e continua sendo assombrado pelo ladrão da alegria.
No meio dessa busca pela minha voz, meu amigo João Arleo me recomendou o livro Roube como um Artista, de Austin Kleon. Essa é outra razão pela qual estou escrevendo aqui. Entre tantas boas ideias que o livro traz, há uma lista de coisas a fazer. Um dos itens da lista que eu ainda não fazia era ter um blog. Achei o conselho válido — e resolvi segui-lo.
Aqui estou, buscando reencontrar a voz que um dia perdi lá na infância. Há esperança, pois no fundo do coração, onde moram as coisas mais escondidas, também habita o mistério da renovação. Que Deus me permita reencontrar a alegria, com o coração livre e despreocupado. E que minhas palavras sejam sempre coroadas com a grinalda da graça.
Continua…
(Como a literatura salvou a minha vida)
Até o próximo post.
